Sobre eles

Josaine Airoldi

Ele era um menino, ela uma mulher de 20 e poucos anos.

Achava-o muito atrevido para a pouca idade que tinha.

Lembra dele com olhar determinado em conseguir o que queria, levemente escondido sob a aba do boné – item obrigatório para quase todos os adolescentes.

Depois de quase 30 anos, o destino resolve brincar com eles.

Ele, agora homem feito, se vê sozinho e com imensa vontade de mudar a rota da sua vida, já que o caminho que percorreu até aquele momento não serve mais, a procura. 

Vai tateando bem devagar o percurso, não tem nenhuma ideia de como vai reagir a sua busca por ela. Sabe pouquíssimas coisas a seu respeito, mas como sempre, não desiste.

Ela fica intrigada com o contato, mas como é impulsiva e meio distraída aceita conversar com ele virtualmente. 

Fica sabendo o que aconteceu na sua vida em poucos minutos. 

A imagem que tem dele – menino –  se confunde com o relato sobre como está atualmente. 

Fica impressionada em como amadureceu e no que se tornou.

Confessa para si que não dava nada por ele.

Surpreendentemente, faz bem a ela conversar com ele, mesmo que através de mensagens.

Ela comenta com algumas pessoas sobre esse reencontro. Ninguém o conheceu naquela época, talvez por isso ninguém diz nada relevante. Quando muito tem alguma recordação do irmão dele, com quem ela namorava naquela época.

Final de ano, a vida segue em ritmo alucinante,  mil coisas para fazer. 

De repente, férias.

Aniverśario próximo. Emblemático. Como adora simbologias começa a achar significados em tudo. 

Pensa em escrever um texto sobre a fase que está próxima. 

Pensa em citá-lo na sua história. Afinal, de uma forma muito inusitada, o que conversaram  passou a ser importante no que ela está se tornando ou no que está reconstruindo.

Num sábado de carnaval. Está sozinha em casa. O sol sob a varanda a convida para ir para a rua. Ler o livro deixa de ser prioridade, porque o pensamento está em saber mais sobre ele.

Ficam sabendo um pouco mais a respeito um do outro, vão percebendo que têm  várias  coisas em comum. 

Combinam de se encontrar para verificarem se realmente há algo real ou é só  carência afetiva. 

Uma sucessão de impossibilidades surge. Ora é ela que não pode, ora é ele que não consegue ir. 

Numa tarde ensolarada de um domingo qualquer ficam, finalmente, um de frente para o outro.

O que aconteceu depois?

Pois é! Não sei. 

Pode ser que perceberam que era melhor continuar apenas como amigos virtuais.

Talvez houve um encantamento de almas, coisa que acontece raramente e ficaram juntos para todo o sempre.

Ou ao conversarem notaram que não tinham nada em comum e decidiram que o melhor era seguir a vida como se nada tivesse acontecido.

De repente, há outra possibilidade. Afinal, o destino, às vezes, gosta de brincar e nem sempre o acaso protege quem está distraído.

20/03/2.024

Para A.

Por: Josaine Airoldi

Preciso encerrar a nossa história se é que posso assim chamá-la.

Essas foram as primeiras palavras que escrevi, na ânsia de não desistir do que estou prestes a fazer.

Preciso ter esta conversa contigo e tem que ser agora, pois estou há 24 anos nessa tentativa.

Ironicamente, essa era a idade que eu tinha quando te conheci.

O coração continua disparado.

As ideias ainda estão meio desconectadas, mas espero que ao longo do texto consiga me acalmar e organizá-las melhor.

De tudo que aconteceu entre nós no curto tempo em que ficamos juntos, o que traz profunda tristeza é a imagem que guardo de ti  entrando naquela igreja para que e não fosse procurá-lo lá. Não sei se irá lembrar.

Está sendo mais difícil do que pensei, mas tenho que seguir

Naquela época eu me encantei por ti, no instante que me puxou pela mão para dançarmos.

Eu errei muito, porque o meu mundo, aos poucos, passou a ser os pouquíssimos momentos que ficamos juntos. Só queria ficar contigo, sob qualquer circunstância. Não tinha noção do quanto gostava de ti até aquele dia que brigamos, pela primeira e única vez.

Eu compreendi, com o passar dos anos, que procurou em mim “por porto seguro”, e sinto muito  por não ter conseguido ser o que esperava.

Eu me perdi, num emaranhado de sensações que nunca tinha sentido. Nunca tinha me apaixonado antes. Não sabia o quanto pode doer gostar de quem não gosta de mim.

Seguimos caminhos diferentes.

Hoje, tenho plena certeza que não daria certo.

Mas eu preciso encerrar esse ciclo: 

Eu te amei.

Muito.

Intensamente.

Não me compreendeu.

Mandou-me embora da maneira mais cruel que pode. 

Tive que ir.

Chorei…

Chorei muito…

Chorei intensamente…

Não me compreendeu.

O tempo passou. 

Embora não devesse, ainda penso em ti. 

O que fazer?

Até hoje eu não sei.

09/10/2.022

Eu me perdoo 

Por: Josaine Airoldi

Eu me perdoo por ter te deixado eu acreditar que sou louca. 

Eu me perdoo por tudo que fez comigo, eu confiei em ti.

Eu me perdoo por estar tão perdida que, às vezes,  não sei onde estou.

Eu me perdoo por não saber o que é real e o que é invenção da minha mente, tão perturbada e confusa que estou.  

Eu me perdoo por achar que a responsabilidade de todo o desastre, que está sendo a minha vida, seja responsabilidade pura e simplesmente minha.

Eu me perdoo por, ao não saber que rumo tomar, não seguir rumo nenhum. Afinal o caminho que conheço e percorri até aqui não tem nenhuma verdade. Tudo o que eu tenho como real estou vendo desmoronar a cada dia. E agora tenho só escombros para onde olho.

Não dá para voltar ao começo. 

Não sei como faço para seguir.

Tudo está destruído. 

Nunca fui forte.

Nunca quis ser forte.

Não sei como ser forte.

Só quero que esse tormento acabe.

Eu preciso me perdoar, pois estou juntando os pedacinhos de mim, para me reconstruir.

Eu me perdoo por tudo isso e por tudo que possivelmente está por vir.

16/11/2.022

Começo do fim

Por: Josaine Airoldi

Meu mundo caiu / E me fez ficar assim / Você conseguiu / E agora diz que tem pena de mim… – cantou Maisa certa vez.

Só te peço que não traia a minha confiança – disse Frida Kalo – no filme.

Ela? Só queria uma vida pequena burguesa: mais ou menos igual ao que Raul Seixas descreveu neste trecho: “aos domingos dar bananas aos macacos no zoológico”.

Quando se conheceram ela tinha uma profissão, um carro  e quase uma casa própria. Trinta e um anos e muitas desilusões amorosas. 

Ele estava em início de carreira, não tinha carro e morava com os pais. Tinha 25 anos e a convicção que casar com ela era o que queria. 

Aos poucos ia descobrindo que mentia para ela, quase sempre eram coisas banais, que eram descobertas sempre da pior maneira possível: por acaso. 

Sempre afirmava que iria perder a confiança nele, que por mais que a verdade fosse difícil era o que queria.

Mas ele não compreendia e continuava a fazer as coisas escondido. Deixava sempre muitas pistas para ser descoberto. Era como se necessitasse do desgaste emocional dela para sobreviver. 

Nesses momentos, ele tinha aprendido, que era só deixar ela falar, chorar, xingar e fazer planos que iria tomar as rédeas de sua vida… 

Breve tudo voltaria à rotina de antes. Era  sempre questão de tempo, pois assim estavam por 18 anos.

Viviam uma vida segunda via – ela dizia.

Como tudo sempre tem a gota d’água que faz a água do copo transbordar… No caso foi a casca do ovo na lixeira errada.

Era necessária a pergunta cuja resposta já sabia.

Como sempre há uma sequência de mentiras seguidas de várias outras mentiras para encobrir a primeira, criando um emaranhado de fatos desconexos.

Sem necessidade – ela pensa em desespero.  

 – Fala, logo a verdade! – Ela gritava.

– Eu sei que não foi assim que aconteceu.  – Novamente ela implorava na tentativa vã de descobrir que estava enganada. Talvez estivesse realmente enlouquecendo.

Mas não. Não estava enganada: havia algo muito errado. 

Em alguns momentos a realidade a chamava: é preciso aproveitar o sol para que as roupas sequem… 

Sabia que não podia se dar ao luxo de ser totalmente impulsiva, conhecia os danos que a sua impulsividade causava.

Quando se acalmava era pior, a verdade,  aquela que sempre desejou, se descortinava  na sua mente. 

Às vezes, se surpreendia com a capacidade de dedução que possuía ser avassaladora  – tanto quanto a incapacidade de estabelecer limites. 

Aos prantos e com o coração se dilacerando foi percebendo seu mundo  desmoronando, como tinha acontecido em várias outras vezes.

Foi percebendo o quanto a relação deles era parecida com a de seus pais, sem a ressalva de não ter tido condições de poder mudar o curso e ter vivido de outra forma. 

O que ela mais desejava era construir uma outra história: a deles – sempre dizia a ele. 

Como construir uma vida juntos se…

Ele precisa do caos.

Ela da calmaria.

Por mais que se encontravam em alguns momentos, para ela não bastava. 

Era o começo do fim.

Ele só entenderia o que ela dizia no momento que percebesse por si só, embora pudesse ser tarde demais. 

Sem ter mais nenhuma certeza, fechou os olhos e deixou o tempo passar…

17/10/2.022    

Tudo fica melhor à beira-mar

Por: Josaine Airoldi

Terça-feira ensolarada.

Contemplo as minhas ilusões indo embora com as ondas do mar.

As férias estão acabando…

Não quero fazer planos que sei que não vou cumprir.

Serão abortados no início como todos os outros.

Olho a linha do horizonte: o infinito, realmente existe.

Pode-se ser feliz com tão pouco.

Basta uma tarde à beira-mar.

Ah! como é bom morar aqui.

A brisa leve toca a minha pele fazendo eu lembrar que ela se faz presente nesse momento.

É complicado ser eu.

Sempre foi.

Penso em retomar a terapia.

As palavras do meu psiquiatra terapeuta ecoam na minha mente:

– Sempre estarei aqui para te acolher.

Ele sabe o quanto gosto dessa ideia.

Estou sentindo, talvez dessa vez mais forte que as outras vezes, a necessidade de ter uma vida organizada.

O que para quem tem déficit de atenção é extremamente complicado e difícil.

Não é só uma questão de querer, como alguns acham.

É não conseguir de forma nenhuma, não importa quanto esforço, método e empenho sejam utilizados.

Há a necessidade de medicação, que para obtê-la é preciso a receita… Enfim, voltar à terapia…

“Aquela ideia de tudo se ajeitar  / Não valeu…”

Chico Buarque se instaura sem nenhuma  permissão na minha mente.

A tarde segue lenta sem nenhum percalço.

Começo a sentir o efeito do álcool…

Tudo está ficando mais lento e confuso.

É preciso manter o mínimo de lucidez.

Talvez a água do mar não esteja tão gelada assim…

08/02/2.022

Tatuagem

Por: Josaine Airoldi

Eu gosto de ocupar espaços.

Gosto de flutuar por aí.

Sou e me sinto leve.

Não me importava em ser obesa.

Quem se importava eram os outros.

Nos tempos de escola sofri bullying.

Tive transtorno alimentar.

Depressão.

Emagreci.

Cada tatuagem conta uma história…

Esta: as oliveiras têm muito significado para mim.

Estão relacionadas a um momento muito difícil que superei.

Não gosto de amarras.

Sempre me relacionei com mulheres com biotipo fora dos padrões.

No curso de desenho que eu fiz, aprende-se a desenhar o corpo humano – aquele considerado por muitos como perfeito – a partir de esboços maiores ou menores de retângulos, quadrados, círculos…  

Ouvi-la faz bem: sua voz é aveludada.

Seu olhar é doce e encantador.

Alguém chega…

Interrompe a conversa.

25/11/2.021

Para que querer saber?

Por: Josaine Airoldi

Domingo com sol.

Eu só penso em não sentir frio…

Além de, querer não sentir esta angústia…

Percebo o que eu quis, eu tive.

Será que o que eu desejei estava errado?

Às vezes, sinto que sei o caminho, mas não quero segui-lo.

Para que remexer no passado?

Para que querer saber o que não é necessário?

Lembro-me que é preciso comprar: margarina, papel higiênico, sabão em pó…

Não há mais tempo para desvaneios…

Não há tempo para escrever…

Não há tempo para mim…

Enfim, é a vida tentando seguir seu curso normal…

12/06/2.022

Com que roupa eu vou?

Por: Josaine Airoldi

Com que roupa eu vou? 

Além de ser o título de um samba, é também uma das vilãs da minha existência.

Nunca sei como me vestir.

Quero escrever sobre a capacidade que tenho para escolher roupas erradas, mas o Nicolas Cage está na televisão. 

O filme eu já vi é muito bom, apesar de ser impactante: Oito milímetros. 

Com que roupa eu vou? 

Não sei.

O Nick tomou por completo a minha atenção.

Além disso, o  frio congelante impede minha vontade de fazer qualquer outra coisa.

Continuo escrevendo enquanto o filme se desenrola na tela da televisão, pois preciso aprisionar os meus fantasmas reprimidos.

Eu tenho essa dificuldade.

Qual?

Entendo então que são duas: escolher a roupa adequadamente e permanecer por longo tempo realizando a mesma atividade.

21/07/2.010

Brincadeira de criança

Por: Josaine Airoldi

Estávamos conversando sobre frivolidades e saboreando um excelente vinho tinto, quando ela começou a falar sobre uma prima distante.

Ela era extremamente competitiva e, às vezes, chegava a ser chata. 

Sempre quis ser a melhor em tudo. 

Não suportava aquilo que não conseguia compreender ou desvendar.

As brincadeiras tinham que ser as que conhecia. 

Para mim ela fazia parte de outra realidade e era para ser prazerosa nossa convivência e não uma eterna competição e chateação.

Tudo tinha que ser do seu jeito, senão não participava das brincadeiras. Como morávamos longe e nos víamos em certos momentos a suportava.

Quando não conseguíamos ou não gostávamos do que propunha logo nos desinteressamos, mas para ela era questão de honra e como contava com o apoio da irmã continuava com a brincadeira como se nada tivesse acontecido.       

Eu me dava melhor com uma das irmãs dela com a qual sempre convivi tranquilamente.

Quando não estava com ela gostava de jogar futebol com meu pai e os três primos. 

Era o momento em que demonstravam que a personalidade do pai não tinha determinado totalmente a deles. 

Eram iguais aos demais meninos que eu conhecia.

Era a que mais recebia atenção do meu pai que acho que a acolhia e a todos os sobrinhos por sentir o quanto o irmão era seco com os filhos. 

Sempre que a visitávamos, meu pai fazia questão de parar num mercadinho próximo a casa deles e comprar balas para os sobrinhos e escolher o melhor e mais bonito pão d’água de quarto quilo (expressão bastante comum na época) para presenteá-la. 

Ela recebia aquele embrulho com os olhos brilhando e agradecidos. 

Aquele pão representava o afago que seu pai nunca lhe dava ou nunca lhe deu, apesar de ser a filha caçula e ser a preferida dos seis filhos.

Eram bons aqueles momentos na casa dos tios. 

O almoço ou o jantar, apesar da austeridade imposta pelo meu tio, era uma ocasião especial por causa do sabor dos pratos que degustávamos: a galinha caipira com bastante molho, a polenta que só a minha tia sabia fazer, a massa caseira, café fumegante, o pão caseiro. Tudo preparado no fogão à lenha. 

Ganhávamos “ovos” que nós, eu e minha irmã comíamos rapidamente sem se preocupar com a película que os envolviam, enquanto elas tentavam retirá-los.

Ela sempre implicava com a minha irmã apesar de não ter noção de que sentimento era aquele que exalava por seus poros, sabia que a fixação para que a minha irmã tivesse resultados ruins na escola era exagerada.

Hoje sei o nome disso: inveja.

Era inveja do amor e carinho que tínhamos do meu pai.

Era inveja da maneira como seus irmãos a tratavam: como uma bonequinha.

Era inveja de um amor que nunca recebeu.

Certa vez quase enlouqueceu quando não conseguia decifrar o código que tínhamos para descobrir qual era a palavra combinada numa brincadeira banal de adolescentes. 

Nos fez repeti-la várias vezes. 

Ah! Como me diverti vendo sua expressão de angústia e nos acusando de não revelar que havia descoberto o segredo apesar de já ter adivinhado. 

A brincadeira para mim era quase uma revanche, por todas aquelas brincadeiras tolas que realizei para agradá-la ou para não desagradá-la durante anos.

O vinho acaba, mas continuamos a conversa, afinal as recordações boas ou ruins, não.

16/10/2.010

Meu primeiro amor

Por: Josaine Airoldi

Tudo começou quando a Nane me impôs que eu tinha que escolher algum menino para gostar.

Eu não gostava de nenhum menino, talvez por ter apenas nove anos. 

Como nunca gostei de ser a diferente no ninho, comecei a observar os colegas de turma.

Leandro era muito chato, por ser repetente achava que sabia mais que a professora.

Gilmar – o Batatinha –  acho que o apelido era em referência ao personagem do desenho animado: Manda Chuva. – era muito baixinho.

Jair, muito alto, feio e muito mais velho que eu. 

Luciano, muito mal educado.

Genésio, sem graça.

Jerônimo, muito extrovertido. 

Hélio, vivia ficando de castigo por ser mal-comportado.  

Então, tinha Adriano.

Adriano parecia perfeito: franzino, loiro e educado.

Anunciei em alto e bom som para as amigas que tinha escolhido um menino para gostar, mas não diria o nome, morreria de vergonha, se ele soubesse.

Qual não foi meu encantamento ao ler o seu nome de amigo secreto.

Minha avó providenciou o que eu daria.

Estava radiante até constatar que teria que entregar um talco Pompom para o menino dos meus sonhos.

Mas, na falta de outra alternativa, entreguei o presente sem olhar a sua reação.

Adriano nunca ficou sabendo da minha paixão por ele.

Deve ser por isso que, chegou na festa junina de braços dados com a Hélia – irmã gêmea do Hélio – de um lado e a Geni do outro.

Quando vi os três chegando alegres e sorridentes, subitamente comecei a me sentir cada vez mais estranha dentro daquele vestido enorme para meu tamanho e a ausência de saia de armação ficou mais evidente.

Não aguentei a humilhação e fui embora.

Adriano não tinha como saber – eu pensava – enquanto enxugava as lágrimas que teimavam em cair.

04/02/2.020.

Não era sobre isso que queria falar…

Por: Josaine Airoldi

Às vezes, basta tentar um caminho ainda não percorrido.

Estou há dias tentando concluir um curso on-line e não consigo.

Já fiz quase tudo e não consigo receber a resposta: 100% concluído.

Por falta de atenção, talvez, ou por má-vontade eu abri páginas em excesso e não consigo fechá-las.

Não quero pedir ajuda.

Tenho vergonha de explicar para algum desconhecido que eu abri oito páginas indevidamente, ou seja, eu consegui repetir o mesmo erro por oito vezes.

Eis, então, que sigo a ordem dos fatores e qual não foi minha surpresa: eureca!

Consegui.

Tão simples.

Oh! Não, faltou luz!

Continuo tateando as teclas, mesmo no escuro, preciso aproveitar que estou inspirada para escrever.

Afinal, para alguma coisa tem que servir ter morado tantos anos em um lugar sem luz elétrica.

Minha mãe dizia que eu era teimosa igual a porco de cangalha.

Cangalha eram três pedaços de paus amarrados com arame em forma de triângulo que eram colocados nos porcos para que estes não fugissem do cercados onde ficavam.

Mesmo assim sempre tinham os que não se intimidavam com tal artifício e tentavam sair, ficando presos…

Afinal, era para isso que as cangalhas serviam…

Tem momento que me sinto assim: teimo em algo que, apesar de perceber que não está certo, eu continuo…

Não consigo parar ou consigo e opto por prosseguir…

É como se a insistência fizesse tudo se resolver.

Claro, posso culpar o déficit de atenção, que faz um estrago em qualquer vida por aí, se não tratá-lo corretamente…

Ai se alguém segura o leme / Dessa nave incandescente… – dizem Kleiton e Kledir na minha mente, que já se desviou do que estava fazendo…

27/04/2.020

Ela

Por: Josaine Airoldi

Ela era sempre indiferente à minha admiração, embora linda e perfeita.

Todos os dias eu ia visitá-la.

Ela era inacessível para mim

Percebi isso quando me dei conta que o seu valor era dez vezes o que eu tinha entendido, ou seja  não eram R$ 14,50 e sim R$ 145,00 – se fosse nos dias de hoje. 

Pior de não poder tê-la, foi vê-la ser de outra criança, que nem mesmo a desejou como eu.

Os adultos podem ser cruéis de vez em quando: de todas as bonecas existentes na loja tinha que escolher a única que desejei, mesmo nunca tendo ficado sabendo disso.

Tudo bem que a criança em questão era sua neta e eu apenas a filha da sobrinha do marido, que estava passando uns dias de férias em sua casa.

Ela ficou para sempre entre as coisas que sempre desejei e nunca tive.

25/12/2.020

Qual é o significado?

Por: Josaine Airoldi

… E quando vejo o mar há algo que diz que a vida continua e se entregar é uma bobagem… – escreveu certa vez Renato Russo.

Depressão é coisa séria.

Quando me sentia muito mal costumava ir para praia apreciar o incansável ir e vir das ondas.

Às vezes, tinha vontade de entrar mar adentro, mas a ideia de perceber que estava num caminho sem volta fez com que eu não concretizasse esse desejo, se é que seria um desejo.

Meu psiquiatra me diz que desejos como esses têm relação com a vida uterina.

Quero saber mais sobre isso. 

Ele, então, me pergunta se nunca tinha lido sobre isso?

Respondo que não.

Então, me manda pesquisar na internet.

Ora se fosse para pesquisar no Google eu não estaria ali, tentando entender o que me diz.

Ele me explica novamente que desejos suicidas de maneiras muito trágicas como: atropelamento ou afogamento tem haver com a vida uterina.

Saio do consultório sem entender a relação.

Pesquiso sobre o assunto e encontro a mesma explicação.

Enfim, depressão é coisa muito séria e quase sempre tem relação com insatisfações profundas, que emergem do subconsciente devastando a vida no presente.

02/02/2.020

Uma história puxa outra!

https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2020/08/15/devaneios-a-beira-mar

Zé Gralha

Por: Josaine Airoldi

– Meu nome é José Oliveira – Essa é uma das frases que sempre dizia.

Ainda mais quando descobriu que chamávamos de Zé Gralha.

Não me recordo o que motivou  tal acunha.

Sei que não gostou nem um pouco.

Ele aparecia quando queria e sumia da mesma maneira.

Agia como se fosse imprescindível os seus préstimos – de certa forma era.  

Sempre trazia nas costas um saco com macega – material utilizado por nós: minha avó, minha mãe, minha irmã e eu para fazermos artesanato.

Zé Gralha era um homem muito bonito, mas a cachaça – raramente ficava sóbrio –  e o excesso de exposição ao sol envelheceram ele antes do tempo.

Certa vez, depois de um longo período ausente reapareceu.

Estava vivo para nosso espanto.

Ríamos muito lembrando que havia sido encomendado uma missa em homenagem a sua memória.

O fato é que havia recebido uma indenização generosa por ter sido atropelado enquanto vagava solitário por uma estrada qualquer.

Mesmo assim retornou – como sempre precisava de um lugar para ficar por um tempo.

Um dia foi embora e nunca mais voltou…

 06/11/2.021

Uma história puxa outra!

https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2020/07/04/santa-louca

Amigas para sempre?

Por: Josaine Airoldi

Esperteza ou inteligência.

Eu, a inteligente.

Ela, a esperta. 

Quem tem mais chances na vida adulta?

Eu sempre achei que fosse a esperteza, pois se tem ou não tem. Não é algo que se adquire estudando.

Mesmo assim, para mim, gostar de estudar era a única coisa que me tornava superior a  ela. 

Ouvi certa vez após, relatar esse pensamento a um amigo na sala dos professores:

– Quem é ela atualmente?

Não soube responder,  mas subitamente lembrei-me de uma conversa que tivemos  numa sala de espera de um consultório:

– Tenho um filho de sete anos.

Combinamos que eu seria a madrinha de seu primeiro filho ou filha – enquanto ela batizava minha boneca.

– Eu não casei. Não tenho filhos… Fiz faculdade…

Parece que é uma obrigação: nascer…. Crescer… Casar…  Procriar… e Morrer…

– Moramos com a mãe.

De todos os filhos e filhas, a única que ficou cuidando da mãe foi ela que sempre soube que embora tivesse sido acolhida – por aquela família – não era bem-vinda.

– Continuamos morando todos juntos.

– Lembra daquele dia de chuva.

– Lembro sim.  

Até hoje me pergunto – o poderia ter sido diferente se tivéssemos esperado alguém nos vir buscar. – pensei, mas não falei; com certeza não entenderia. 

– E as gurias e teu pai?

– Estão bem.

-Tem que aparecer lá em casa para colocarmos a conversa em dia.

– Qualquer dia eu vou.

– Faz tempo que a tua mãe se foi.

– Faz sim. 

Os médicos nunca souberam dizer qual foi a causa, escreveram simplesmente: falência múltipla dos órgãos… –  estava me preparando para dar essa explicação, mas não perguntou.  

– Está demorando…

– É!

Não fomos amigas para sempre…

Nós nos perdemos? 

Não, seguimos caminhos óbvios.

Eu segui estudando.

Ela continuou fazendo o que sempre fez de melhor desde criança: limpar e organizar a casa dos outros.

Noto o quanto é feliz na simplicidade de saber viver bem com o que tem.

Realmente, a sua esperteza sempre me incomodou.

– É sua vez. – diz a recepcionista sorrindo.

30/06/2.010

Uma história puxa outra:

https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2020/05/13/os-tiradores-de-sangue/

A descoberta da inocência

Por: Josaine Airoldi

– Quer ficar no meu lugar? O trabalho é simples. O lugar é pequeno. Não há muito a ser feito.

– Quero sim! 

Cheguei explicando…

– Minha prima me mandou.

– Ótimo! – respondeu entusiasmado. 

– Posso começar amanhã mesmo à tarde. Estudo pela manhã – respondi esperançosa, era uma ótima oportunidade para uma garota de 17 anos.

Rapidamente me mostrou tudo e explicou as minhas atribuições.

Se ateve numa recomendação:

– Isso é importante: anotar aqui tudo o que não tivermos, caso alguém procure.

Olhei o papel ao lado do caixa e pensei: isso é fácil.

No outro dia, me deu as boas vindas e saiu dizendo que voltaria logo em seguida, o que não aconteceu nem naquele dia nem nos demais.

Voltando quis saber:

– Tudo bem por aqui. 

– Tudo! – respondi sorrindo, tentando demonstrar tranquilidade.

– Algum medicamento a ser encomendado?

– Está anotado.

Olhando minhas anotações…

– Esse eu preciso encomendar. 

– Esse não, porque nós temos.

Depois que me recuperei do susto – pois não poderia demonstrar incompetência – respondi:

– Eu procurei em todos os setores: nos comprimidos, nos injetáveis,… E nada.

– Não procurou aqui nesse balcão.

Olhei aparvalhada.

– Eu nunca achei que procurasse esse produto pela marca…

O fato é que nenhuma figura de linguagem foi capaz de fazer com que ele não percebesse que eu não sabia o que era Jontex.

05/01/2.010

Aquele olhar

Por: Josaine Airoldi

Não sei se me viu.

Desviei os olhos rapidamente. 

Talvez por ele. 

Talvez por mim.

Talvez por nós.

Certa vez, ao percebê-lo finalmente, deixei-o entrar na minha vida, porém  ao olhá-lo com profundidade, vi o que não desejava, e não o quis mais.

Não aceitou e reagiu da pior maneira.

O que eu fiz?

Procurei me afastar cada vez mais. 

Fiquei sabendo – depois – pela tia que o socorreu – que não tinha sido a primeira vez que era internado, por causa da dependência de álcool.

Disse, também, que não tinha culpa pelo comportamento auto-destrutivo do sobrinho.

Agradeci e procurei pensar em outra coisa naquele dia.

Embora, até hoje, eu saiba que não tinha o  direito de deixá-lo achar que poderíamos dar certo juntos.

Mas aquele olhar…

 02/07/2.010

Uma história puxa outra!

Com carinho e afeto

Por: Josaine Airoldi

Eu nunca fui escolhida para nenhuma apresentação nos tempos de escola.

Nunca tive o perfil predileto das professoras.

Nessa apresentação todos poderiam participar: era para as mães.

Todos compraram um cartão com uma mensagem muito bonita, que eu lia sempre: “Retrato de mãe” – era a história de um viajante que agradecia a sua mãe por tudo o que havia lhe ensinado…

Minha mãe tinha outros planos para aquele dia – me levar pela primeira e única vez para tirar tiririca do brejo – material com o qual fabricava as peças de artesanato. 

Enquanto sacolejava na carroça ia imaginando como estava sendo a apresentação.

Desde então a canção ficou para sempre na memória, atualmente um pouco modificada: “Eu tinha tanto pra lhe falar; mas só com palavras eu não sabia dizer: como era grande o meu amor por ela que se foi cedo demais…”

23/07/2.020

Uma história puxa outra!

https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2021/01/21/o-carinho-da-mae-o-guarana-e-a-injecao

O almoço

Por: Josaine Airoldi

Hoje parece engraçado a história que minha amiga nos conta enquanto saboreamos um delicioso almoço feito por ela, mas na época em que ocorreu o fato não foi – tanto que    percebo o quanto isso ainda a incomoda, apesar das inúmeras risadas que ecoam ao narrar o fato acontecido.

Mesmo sendo crianças, o pai levava-os para a pedreira – trabalho árduo, mas necessário em vista das poucas condições de criá-los como desejava.

Era tudo escasso: alimentação, afeto, inocência…

Certa vez o irmão, que na falta de condições de assumir outra tarefa por ser “doido” – era encarregado de esquentar o almoço, acrescentou umas tábuas recolhidas próximo de onde estavam, para que o fogo não se extinguisse.

De repente, um cheiro forte foi sendo espalhado pelo ar. 

Foi então que perceberam que se tratava de restos de um caixão que estava ardendo em chamas e impregnando a comida e impossibilitando-a para consumo.

Naquele dia as frutas que, pacientemente esperavam para serem colhidas por quem se interessasse por elas, serviram de almoço.

A loucura te exime de um sofrimento que a lucidez não permite

Às vezes, ter consciência pode ser cruel, pois nos faz guardar na memória coisas que não se quer lembrar, que afloram sem consentimento ao ser aguçado por uma situação. 

01/02/2.020

Aquela que corta o bolo

Por: Josaine Airoldi

Aniversário na escola. 

Tem bolo na hora do intervalo, trazido às pressas.

Todos reunidos na sala dos professores na hora do intervalo.

Uns se certificando de quanto ainda restam de seus 15 minutos de descanso.

Outros, meio constrangidos por não saber que havia alguém de aniversário.

Alguns indiferentes a tudo em volta, mas tentando se manter interessados no acontecimento e se possível saborear a iguaria a tempo.  

De repente a pergunta ecoa no ar:

– Eu, cortar o bolo?

Já presenciei por diversas vezes essa situação, embora a contemplada queira fingir surpresa, com a importante missão: cortar o bolo e distribuí-lo aos demais; a pergunta soa mais como uma afirmação.

Há pessoas que se fazem necessárias… 

Elas sempre têm o que comentar em qualquer ocasião. 

Elas sempre estão à vontade em qualquer ambiente. 

Elas estão sempre atentas às necessidades dos demais.

Elas são bem-vindas em todos os grupos, tribos, seitas…

São aquelas que cortam o bolo…

30/06/2.010

Eu …

Por: Josaine Airoldi

Está frio.

Estou novamente sozinha em casa.

Às vezes, gosto desse espaço: físico e mental.

Outras vezes, não.

Sou bicho esquisito.

Sou bicho estranho.

Sou bicho inconstante.

Sou bicho não mutante.

Às vezes, paixão.

Às vezes, solidão.

Sou o que me proponho a ser?

Ora sim, ora não.

A cada manhã me questiono por que eu?

A cada manhã me questiono o que tenho a fazer?

A cada manhã me questiono o que quero realmente?

A cada manhã, novo recomeço ou eterno retrocesso?

28/09/2.010

Conversa de comadres

Josaine Airoldi

Certas feridas permanecem abertas por mais que o tempo passe. 

Ao culpar a tua mãe por todos os seus traumas isenta teu pai de toda responsabilidade.

Nesse eterno duelo entre a mãe má e o pai idolatrado há uma menina forte e determinada que se tornou uma mulher amargurada e fragilizada, que não consegue amar sem concessões, pois foi rejeitada, por todos aqueles que por quem esperava ser acolhida. 

Eu lhe digo isso, após me contar novamente que foi devolvida  pela família adotiva que ao saberem que uma vez registrada como filha teria direito a herança que pertencia aos filhos legítimos.

A família abastada não poderia permitir que tal absurdo acontecesse, uma vez que nem para a realização de serviços domésticos a guria servia, por isso depois de cinco anos sem nunca ter frequentado a escola era devolvida para a família biológica.

A mágoa aumenta ao relatar, outra vez, que o pai se sentiu muito humilhado ao mentir diante do juiz que não a havia dado para adoção e também porque perdeu o prazo para processá-los por tal fato tão cruel. 

A lembrança que tenho do teu pai é de um homem muito bonito, altivo, curioso, que não combinava com aquele ambiente quase agreste,  sem luz elétrica e sem água encanada…

Lembro-me, também que, enquanto ele se aprazia com nossa companhia embaixo de uma figueira frondosa naquele janeiro de sol escaldante a tua mãe: uma senhora de estatura média, rechonchuda, que apesar de estar muito feliz com a visita da filha estava sempre envolvida com alguma tarefa que necessitava ser feita, afinal a vida no campo não é tão simples como se imagina.  

– Já te contei que um dia meu pai quis ir embora. Queria conhecer o mundo e para isso bastava algumas peças de roupas e a gaita que lhe fazia companhia. – Digo que sim, mas ela continua falando.

– Minha mãe disse que ele poderia ir, mas que nunca voltasse, então, permaneceu ali, tendo outros filhos que tiveram que doar por falta de condições de criá-los.

– Todos voltaram conforme, minha mãe sempre dizia que iria acontecer ao nos ver partindo.   

– Eu usei tudo de ruim que aconteceu comigo como mola impulsora para chegar onde eu cheguei.

– Como que eu consegui? 

Sei que vais dizer que estou errada, mas a força e determinação que tens foram herdadas da tua mãe.

Ela finge que não entendeu e continua…

Para ela o importante não é o que eu digo e sim que eu ouça a sua verdade.

Então relata como manipulou uma pessoa muito importante no mundo dos negócios para que fizesse o que ela queria e assim conseguiu resolver o problema que estava incomodando o  alto escalão da empresa. Não estavam conseguindo vender um tipo de seguro oferecido por uma das mais importantes instituições financeiras do país.

– Ganhei muito dinheiro durante o tempo que trabalhei nesse banco.

– Tem coisas que nunca te contei, portanto não fique achando que me conhece.  

Ela fala em tom de revanche, por eu ter dito o que não quer ouvir. 

É justamente por isso que sou tua amiga durante esse tempo todo: sempre digo o penso sem me importar como digo.  

Embora, não consiga compreender ou aceitar, eu sou muito feliz com o que tenho: minha casa,  meu casamento, minha profissão, minha filha que é tua afilhada…

É no meu mundo que consegue desamarrar as amarras sociais que são tão preciosas para te manter no topo como gosta de achar que está. 

É no meu mundo que consegue ser o que realmente é. 

Mantemo-nos amigas por interesse mútuo. 

Eu sou a emoção, tu a razão. 

Uma equilibra a outra quando necessário.

Em vários momentos me fizestes enxergar a realidade, assim como te proporciono momentos de leveza e aconchego.

Afinal, amigas são para isso.

15/01/2021

O tio polícia

Por: Josaine Airoldi

São três irmãos. – Ela me conta.

Foram três bons amigos.  

São três histórias que ficaram guardadas com muito carinho.  

Moravam à beira do rio numa casa simples de madeira com a mãe e a avó.

Quando nos encontrávamos na minha casa que também era de madeira e muito simples, mas ficava a beira da rodovia, agiam como se estivessem em outra cidade.   

Sempre que passava uma viatura da polícia gritavam:

– Olha lá o tio polícia!

Quem os ouviam falar tinha a impressão que conheciam toda a incorporação policial.

Na verdade eles reconheciam apenas a viatura e por isso deduziram que dentro havia o amigo policial da mãe.

O mais velho era muito desengonçado e meio crianção.

Eu odiava quando me comparavam a ele.

O mais novo e o mais bonito dos três – era com quem minha irmã iria casar nas brincadeiras que fazíamos.

Sobrava sempre o do meio cujo nome não sabíamos, sempre o chamávamos pelo apelido.

Era o que sempre se metia em confusão.

Certa vez minha avó pediu que ele buscasse umas coisas para ela.

Ele foi – com má vontade – mas foi.

Embora tenha trazido o que foi solicitado, teve que voltar, porque minha avó não acreditou na história de que tinha sido logrado pelo proprietário.

Pegando-o pela mão, se dirigiram ao armazém para constatar o que já sabia: o troco foi entregue corretamente.

Se não estava com o menino onde estaria o dinheiro?

Estava entre a vegetação da estrada em dezenas de pedacinhos que o vento se encarregou de espalhar.

Assim como o dinheiro, a nossa convivência foi se dissipando aos poucos.

Cada um tratou de cuidar da sua vida, mas os bons momentos ficaram…

Os domingos que tomávamos porres com vinho misturado com água e açúcar.

O filme de kung fu que olhamos sentados amontoados,  mas super contentes por estar dividindo aquele momento.

O quanto eram gostosas as laranjas do céu que íamos colher na chácara onde moravam.

Quando olho a foto em que estamos abraçados em frente à cerca da minha casa sob o frio congelante de agosto, lembro-me o quanto é bom ter tido bons amigos na infância. 

Quando paro de anotar, por uns instantes, para olhá-la e dizer o quanto boas amizades são importantes, percebo que está com os olhos marejados de lágrimas.

Nada a mais a acrescentar…

20/11/2.010

Amanhã é dia de faxina

Por: Josaine Airoldi

Enxaqueca infernal. 

Começou no início da tarde.

Achei que passaria rápido, mas me enganei.

Calor insuportável em pleno mês de julho. 

Não era para estar frio?

Depois de um dia exaustivo, enfim, chego em casa.

Lembro que hoje é dia de reunião partidária aqui em casa – coisas do meu marido.

Olho em volta, está tudo bagunçado.

Estão todos na sala conversando sem parar.

Ninguém se importa com minha presença.

A minha cabeça parece que vai explodir.

Tento dormir.

Levanto.

Acendo a luz.

Ficar quietinha no escuro não resolveu dessa vez.

Não tem jeito, me rendo ao salvador das que sofrem de enxaqueca – o remédio – no meu caso é o Cefaliv.

Começo a escrever sem parar.

A dor?

Continua.

A reunião também.

Amanhã é dia da faxina.

O sono, enfim, chega…

07/07/2.010

Ele e ela

Por: Josaine Airoldi

Ele se foi.

Ela ficou e pela primeira vez – depois de meses sendo corajosa – se permitiu chorar.

Ele se foi.

Ela ficou com a convicção de que tinha feito tudo que era possível para amenizar a sua dor.

Ele se foi

Ela ficou com todos os fantasmas a assombrando.

Ele se foi. 

Ela ficou observando as horas que iam passando e percebeu que não havia tempo para lamentações.

Ele se foi. 

Ela ficou com as últimas palavras dele ecoando na sua mente: por que é tão cruel?

Ele se foi.

Ela ficou e pensou que, talvez, estivesse se referindo ao câncer que se alastrou sem dó nem piedade e persistiu em não abandoná-lo.

Ele se foi.

Ela ficou com a certeza que demonstrou gratidão por tudo que viveram juntos e compaixão pelo seu sofrimento, enquanto planeja o que fazer com todos aqueles equipamentos hospitalares, que estão ocupando a sua sala de estar.

Ele se foi.

Ela ficou com tudo o que restou: lembranças,  remorsos, angústias e incertezas…

Ele se foi.

Ela ficou com a pergunta que ambos faziam, sem obter resposta:  

– Por que comigo?

Ele se foi.

Amanhã será outro dia – ela pensou.

12/01/2.021

Uma história puxa outra!

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O carinho da mãe, o guaraná e a injeção

Por: Josaine Airoldi

Quando a minha mãe e a minha avó percebiam que as claras de ovos batidas colocadas nos meus pés não estavam fazendo efeito e não importava o quanto de guaraná “fora do gelo” eu tomasse, a febre alta não iria abaixar, elas começavam a cogitar a possibilidade de ser levada para consultar em Osório. 

Nesse momento chorava ainda mais. 

Não tanto pela dor terrível na garganta, mas pelo fato de saber que iria tomar injeção e ficando boa não teria mais o carinho e a atenção da minha mãe, que nessas ocasiões ficava em volta da cama aflita, medindo a minha febre de 10 em 10 minutos. 

Eu suplicava dizendo que estava melhor que não precisava, embora a febre me desmentisse.

Como meu pai estava sempre trabalhando longe, era chamado o seu Artur, taxista que estava sempre a postos para atender os vizinhos.

A Doutora Maria Amelia sempre receitava a mesma coisa: Benzetacil, para o pavor de todas as crianças, ainda existe.

Para garantir a eficácia do tratamento, a primeira dose de injeção era dada lá mesmo no consultório.

As demais eram aplicadas na casa de uma senhora que era enfermeira – Dona Noemia – para a qual eu tive que ir todos os dias durante sete dias.

Embora, criasse vários planos durante o trajeto para me livrar daquela situação não consegui pôr nenhum em prática.

Depois de esterilizar a seringa de vidro, ela realizava com habilidade seu ofício; enquanto aquela bondosa senhora se tornava, por alguns segundos minha carrasca, eu o via escondido se divertindo com a minha situação. Tinha mais ou menos a minha idade e era sempre mandado para o quarto, quando eu chegava, mas nunca obedecia à mãe.

O que doia mais era ter que enfrentar tudo isso sozinha.

Cada vez que eu reclamava de alguma coisa para minha mãe eu ouvia que eu tinha que agradecer muito a Deus por estar viva, que ficou cuidando de mim meses e meses no Hospital Conceição, que eu tinha sido desenganada pelos médicos.

Depois de muito tempo estava eu e minha mãe novamente no mesmo hospital, em posições contrárias, porém dessa vez os médicos não estavam errados quanto ao diagnóstico.

                                                                                      15/08/2.000

Esqueceram de mim

Por: Josaine Airoldi

Fiquei sozinha olhando todos entrarem na igreja: os convidados – entre eles meu pai, minha mãe e minha irmã do meio, o noivo e enfim a noiva acompanhada pelo pai e pelas daminhas de honra.

Nenhuma das possibilidades seria possível. – Eu concluí.  

Se levasse o pelego e a bolsa com as fraldas não conseguiria levar a minha irmã. 

Se levasse a minha irmã teria que deixar o resto para trás. 

O que eu queria mesmo era deixar tudo e sair correndo.  

Estava olhando para o horizonte tentando entender o que estava acontecendo…

Será que ninguém lembrou que eu estava sozinha na praça com uma bebê de alguns meses? 

Ou então que uma bebê de alguns meses estava sozinha numa praça com uma criança de 10 anos?  

Eu estava nesse devaneio quando chega a tia Sirlei. 

Ela me olha sem entender o que eu estava fazendo ali, mas não perde muito tempo com perguntas.

Rapidamente troca a fralda de pano que estava bastante suja e me tira daquele suplício. 

Depois disso, tudo transcorreu bem. 

A festa estava boa. 

02/06/2.010

As gurias bárbaras

Por: Josaine Airoldi

Elas fediam a xixi.

A casa inteira fedia a xixi.

Mesmo após o banho fediam a xixi.

Com o tempo Marlene ficou cada vez mais presente na minha casa. 

Foi para ela que minha avó pediu ajuda para cuidar dos animais que criava.

Foi para ela que meu pai contou como descobriu que a minha mãe estava grávida.

Sinceramente eu não tenho nada contra a Marlene, principalmente porque ela não fedia a xixi e me considerava inteligente. 

A minha rixa era com suas filhas que por mais que apanhassem não ficavam meninas educadas e sem cheiro de xixi.

De repente, aquela cena vem a minha mente agora:

Uma delas ocupando um espaço que era meu – o meu balanço. 

Não tinha o direito de usá-lo. 

Qualquer outra criança eu não me importava; porém ela ou a irmã dela eu não suportava que o usassem.

Tinha que agir logo e agi:

– Olha lá a tua mãe está chegando!

Ela correu para o portão, libertando-o de imediato.

Eu ganhei! 

A vitória logo perdeu o sentido. 

Ela ficou estagnada no portão. 

Era muito burra para compreender que eu havia a enganado.

Eu sempre tive um senso absurdo de responsabilidade sobre tudo e sobre todos.

Receava que aquela guria fosse atropelada caso não saísse daquele portão.

– É mentira a tua mãe não veio ainda! – Gritei.

– Sai dai! – Supliquei.

– Vem brincar no meu balanço! – Apelei.

A raiva ia aumentando enquanto eu me aproximava mais e mais do portão.

Depois de quase quarenta minutos o ônibus para e finalmente elas aparecem.

Ela saiu disparadamente em direção à parada.

Respiro de certa forma aliviada.

Agora a responsabilidade não é mais minha.

Eram duas quando nos conhecemos. 

Não tive nenhuma simpatia por elas. 

Piorou quando a família aumentou e nasceu o irmão. 

Eram três para eu cuidar quando a minha mãe resolvia fazer compras em Osório na companhia da mãe deles.

Numa tarde enquanto estou tentando acalmá-lo, sinto algo metálico nas minhas pernas. 

Por ciúme do irmão, a bárbara mais nova me atacou com o resto do que um dia foi um guarda-chuva.

Fiquei ajoelhada segurando o menino chorando com toda a força que eu tinha para não deixá-lo cair até que alguém viesse em nosso socorro.  

Eu descobri, mais tarde, o quanto poderia ser ainda mais cruel. 

Naquele momento não queria acreditar que eles estavam mortos, que eles haviam sido estrangulados e enterrados por pura maldade e inveja. 

Eles eram os meus pintinhos carijós. 

Ninguém tinha direito de tirá-los de mim. 

Não havia cascudo que aliviasse a minha dor.      

Era bastante comum Marlene enviar a mão embaixo daqueles cabelos sebosos que suas queridas e fedorentas filhas tinham e lhes aplicar uma punição. 

Certa vez me vinguei delas.

Estávamos em pleno inverno. 

As ruas não eram asfaltadas como até hoje não são e por isso alagam facilmente, então a Prefeitura jogava várias camadas de areia e enquanto a “patrola” não vinha para espalhá-la nós nos divertíamos naqueles imensos morros de areia.

O meu primo Almenir, que gostava de me defender – gosto de pensar assim – aprontou com a nossa ajuda – minha e da minha irmã, uma vingancinha saborosa.

– Todos tem que se enterrar na areia. Essa é a brincadeira. Anunciou, imponente de cima da areia. 

Imediatamente ficou definido por nós que as pessoas a terem o privilégio de iniciar a brincadeira eram elas.

Nós teríamos o trabalho de auxiliá-las nessa empreitada.

O que fizemos com muito prazer.

Vê-las soterradas na areia sem poder se mover e sendo atacadas por formigas foi muito divertido.

Quase aliviou toda a mágoa e raiva que eu sentia por elas.

É claro que nós não nos enterramos.

 Certa vez ao me dirigir para o caixa do supermercado percebi que talvez fosse a Clarice a operadora. 

Pensei em mudar de atendente, mas se fosse realmente ela perceberia a minha atitude. 

Tinha que ter certeza, por isso imediatamente olhei para o crachá e enfrentei a situação. 

Ela poderia não me reconhecer. 

– Não se lembra de mim?

– Claro! – Apesar de estar bem diferente.

– Depois de três filhos a gente muda bastante.

Sorri sem graça tentando disfarçar a inveja que senti daquela criatura.

Ser mãe era o que eu mais desejava e não estava obtendo muito sucesso. 

Não tive coragem para perguntar a respeito de Marlene, apesar de ser o único interesse que eu tinha em conversar com ela, uma vez que era inevitável. 

23/11/2.010

A culpa é do orégano

Por: Josaine Airoldi

Domingo à tarde tinha planejado sair.

Não fui. 

Ficou tarde. 

Tudo começou quando comecei a procurar o orégano para colocar na carne, que estava cozinhando para o almoço.

Tinha certeza que estava num pote dentro de um armário. 

Não estava em lugar nenhum.

Nessa empreitada começou-se a verificação de data de validade dos produtos sendo jogados fora os que já estavam vencidos, a limpeza de algumas áreas esquecidas no dia a dia…   

Não saí! Mas a cozinha ficou limpa e organizada.

Ao sentar exausta no sofá da sala me deparei com ele impassível e empoeirado pregado na parede, está sempre lá esperando que seja limpo, que seja colocado um dos ponteiros que caiu e que também sejam trocadas as pilhas que o fazem produzir seu indiferente tique-toque.

Qualquer dia mando arrumar – assim com todo o resto que precisa de algum conserto.

Fui ensinada a fazer o que é certo. 

Fui ensinada a pensar sempre no bem estar dos outros. 

Fui ensinada a não dar opinião quando os adultos estavam conversando.

Sendo adulta não consigo decidir o que é realmente relevante para determinado momento. 

Às vezes, me proponho a não tomar decisão nenhuma.

Fico à deriva, sem rumo…

Não quero ser responsável por qualquer coisa que possa acontecer em decorrência da minha interferência ou pela minha alienação.  

Fico ao sabor das consequências da minha não-ação.  

É uma maneira tosca de me rebelar contra aquilo que me aflige.

Às vezes, é mais cômodo culpar algo aleatório sobre o que dá errado ou não acontece como desejado, do que encarar que sou responsável pelas minhas decisões ou pelas minhas não-decisões.

Não sai num domingo à tarde como tinha planejado e queria, mas a culpa não foi minha, a culpa é do orégano.

A pergunta que fica é: por que eu faço isso?

05/01/2.020 

O retrato

Por: Josaine Airoldi

Olho o retrato. 

Nele há duas meninas muito parecidas e diferentes ao mesmo tempo.

Olho o retrato.

Nele está registrado uma lembrança da infância.

Olho o retrato.

Nele estão duas irmãs que fizeram o melhor que puderam do que delas resultaram. 

Olho o retrato.

30/06/2.010

O quatro olhos

Por: Josaine Airoldi

Lembrei-me hoje de uma brincadeira da época em que estudei na Escola Assis Brasil.

Veio à mente a frase: “sabe o quatro olho ele não percebeu que havia uma janela e foi com tudo nela”

Ele, quem mencionou esse fato era o Rogério.

Rogério era um garoto muito magro e muito alto para a idade e que desenhava muito bem.

O quatro olho em questão era nosso colega na oitava série.

Era extremamente tímido e ter que usar óculos não o ajudava em nada.

Eu me sentia estranha naquela escola e naquela turma.

Acho que por isso que nos identificamos e começamos por brincadeira a disputar o mesmo lugar.

Quem chegava primeiro sentava no lugar disputado.

Eu era mais alta que ele e dependia de transporte para chegar à aula, enquanto ele morava perto e por isso quase sempre chegava antes de mim.

Quando não conseguia algum êxito me perturbava a aula toda.

– “Da Frente”, dá licença não consigo enxergar daqui de trás.

Eu respondia qualquer coisa para que fosse possível continuarmos com nossa guerrinha particular.

Certa vez descobri que gostava de uma música do Roupa Nova: Um trem azul.

Não tive dúvidas, copie a letra numa folha de papel, escrevi uma mensagem simpática tipo. “Seja feliz” ou qualquer coisa assim e lhe entreguei.

Foi quando descobri que estava interessado numa menina da outra turma que eu achava muito feia, mas mesmo assim o incentivei para que se aproximasse dela.

Talvez, por causa do meu incentivo, criou coragem e durante um recreio qualquer disse que queria namorá-la .

Por certo tempo era comum vê-los juntos de mãos dadas no pátio da escola.

Fiquei profundamente triste vendo o quanto estava sofrendo porque ela tinha acabado o namoro.

Entendi, enfim o que eu não queria: ele gostava mesmo dela; e eu nunca deixaria de ser a “da frente”, simplesmente.

Atualmente, não usa mais óculos, talvez lentes de contato, como eu que tive que usá-la por detestar usar óculos de grau ou fez cirurgia.

Casou-se com uma menina bem bonitinha.

Descobri recentemente que fica extremamente bonito com roupas totalmente brancas que usa em sessões de umbanda numa casa que frequenta.

O tempo só lhe fez bem.

 09/11/2.010

Candidata a amiga

     Por: Josaine Airoldi

Ter uma amiga na turma em que eu estudava sempre foi um desejo meu.

Sempre que eu conseguia fazer amizade com alguma menina na turma acontecia o seguinte: eu passava e a candidata a melhor amiga era reprovada ou parava de estudar porque tinha engravidado do namorado ou iria embora para outra cidade…

Com a Vanderleia foi assim:

Por “convite” feito pelo professor de Matemática eu tive que assistir às aulas de recuperação terapêutica.

– Ela passou, mas seria interessante que frequentasse as aulas de Matemática para reforço. – disse aquele professor à minha mãe.

Eu tinha verdadeiro pavor daquele homem que não conseguia assimilar que eu não precisava passar mais tempo na sua presença.

Eu havia conseguido alcançar à média, mesmo que isso lhe contrariasse profundamente.

Se ele foi capaz deixar o filho da diretora da escola, após o período letivo o que não faria comigo – eu pensava sempre.

Como não conseguia compreender o horário das aulas, eu ia à escola no horário normal e ficava esperando as aulas de Matemática que, às vezes, eram os últimos períodos.

A pior parte foi quando meu pai resolveu nos levar para a colheita de cana numa chácara que pretendia vender.

– Eu não posso faltar à aula. – Explicava.

– Bobagem. Vamos todos. Vocês irão de Kombi com o Paulo.

O passeio foi muito bom.

O lugar era muito bonito.

Fazia jus ao nome: Figueira Grande.

Fizemos piquenique.

Conhecemos crianças que trabalhavam com foices e facões.

Conversei muito com a Patrícia que apesar de sempre frequentar a sua casa e comparecer as suas festas nunca fiz parte da sua turma.

No outro dia estava em pânico, com medo de ser reprovada.

Como chegava sempre cedo pude escorada no muro da escola copiar a matéria.

O professor não falou nada a respeito da minha ausência na aula anterior.

Até me chamou para resolver uma expressão numérica no quadro, quando percebeu que o Genésio não sabia resolvê-la.

Ainda estava tremendo quando ouvi que todos deveriam saber resolver a operação como eu sabia.

No dia da entrega de boletins encontrei Vanderleia convicta que tinha sido aprovada para a 5ª série e que a irmã tinha sido reprovada, porém aconteceu o contrário do que ela tinha previsto.

Sempre foi assim quando eu conseguia fazer amizade com alguma menina na turma acontecia o seguinte: eu passava e a candidata a melhor amiga era reprovada ou parava de estudar porque tinha engravidado do namorado ou iria embora para outra cidade…

Realmente, eu estava predestinada a ser um ser solitário.

04/12/2.010

Triângulo amoroso tupiniquim

Por: Josaine Airoldi

A história era para ser minha e do Moacir, mas o destino não quis. – disse certa vez Jussara.

Como contra o destino não há como lutar – assim alguns acreditam – tornou-se a história de Moacir e Jurema.

Jussara gostava do Moacir.

Moacir, talvez gostasse de Jussara.

Jurema também gostava do Moacir.

Enquanto Jussara acreditando que seria feliz para sempre com Moacir numa casinha que não fosse de sapê, Jurema anuncia que engravidou.

Talvez o desenlace desse folhetim fosse diferente se não houvesse a presença do filho nessa história.

O fato é que diante do acontecido, ao pai não restou alternativa – o casamento entre Jurema e Moacir era necessário e urgente – mesmo sabendo o quanto magoaria Jussara – a filha mais querida.

Tempos depois Jussara não suportando a desilusão bem longe dali foi morar e com outro se casou.

Assim tristes ficaram os três.

Cada um escondendo suas dores e decepções com frágeis máscaras.

Moacir na bebida encontrou acalento.

Jurema na mágoa mergulhou.

Jussara percebendo que nem sempre encontraria abrigo, naquele que escolheu para substitui Moacir, filho com ele, nunca quis ter.

Sempre que esse assunto é trazido à tona, percebo o olhar distante dela, como tivesse tentando se convencer que não era para ser.

Quem de nós poderá saber?

29/04/2.020

Meu anjo

Por: Josaine Airoldi

– Meu anjo!

– De onde vem isso?

– Sei lá tirei da minha cabeça.

Tantas coisas não ditas.

Tantas coisas ditas.

Tantas coisas ditas e não compreendidas.

Tantas coisas não ditas e compreendidas.

Meu anjo.

Tudo termina como começa.

30/06/2.010

O pai traz a Coca-Cola

Por: Josaine Airoldi

Domingo.

Convite.

Chegaram…

O pai trouxe a Coca-Cola.

Almoço.

Por algumas horas representamos uma família.

30/06/2.010

Éramos felizes e sabíamos

Por: Josaine Airoldi

Ter sido criança na década de 80 é uma coisa muito bizarra quando comparamos aos dias atuais.

Não tínhamos muito, mas tudo que tínhamos era muito valorizado.

Os brinquedos eram latas de azeite e potes de margarina onde fazíamos comida, que consistia misturar areia com água.

Brincávamos até tarde na rua próximas a porta da cozinha para aproveitarmos a luz do lampião, reproduzindo os programas de televisão que conseguíamos ver de vez em quando.

Os desenhos animados eram politicamente incorretos.

Assistíamos no cinema Coimbra os filmes do Teixeirinha.

Às vezes, à noite íamos na casa da dona Luci enroladas em cobertores se estivesse muito frio olhar a novela das 8 horas. Apesar das indicações de censura: “Programa proibido para menores de 12 anos” – dizia uma voz – enquanto na tela da televisão havia um lembrete enorme.

Nos intervalos da novela víamos…

A Pepsi anunciando que era melhor que a Coca-Cola, mas só tomávamos um ou outro aos domingos e quando recebíamos visita, que vinham sem avisar, pois não havia como. Ter telefone em casa era um luxo para poucos.

Tinha também um gurizinho que não deixava os pais esquecerem de comprar uma Caloi para ele.  

Os anúncios diziam que as donas de casa poderiam escolher entre os eletrodomésticos da Walitta e da Arno.

Os cereais anunciavam que continham mais açúcar que antes e, por isso estavam melhores ainda.

O sonho das meninas da época era ter a Melissinha que vinha com a pochetezinha.

Havia uma menina que trazia um Laka para o namorado, mas como ele demorava para encontrá-la, comia o chocolate e para compensá-lo beijava-o.

Como não lembrar das propagandas das lojas: Mesbla, Arapuã, Alfred, J.H. Santos – nenhuma existe mais.

Era comum buscávamos cigarro no armazém para os adultos para podermos comprar balas com o troco.

Entregávamos leite na casa dos vizinhos. Alguns eram simpáticos como a dona Lurdes, que nos convidava para entrar enquanto despejava o leite em outro recipiente. Outros eram antipáticos e nos deixava esperando na porta.

Comprávamos mel no seu Elpídio – velho ranzinza e mal encarado, mas que de vez em quando nos presenteava com favos de mel. 

Entregávamos a revistinha da Avon na casa das senhorinhas que, adoravam comprar perfumes adocicados com os quais enfeitavam a penteadeira no quarto.

Havia os porcos os quais costumavam fugir da “mangueira”. Acho que eles não gostavam muito desse lugar, pois seguidamente fugiam.

Nós éramos incumbidas de procurá-los e trazê-los de volta.

Lembro-me do seu André perguntando, quando nos víamos:

– Os porcos do seu Zé fugiram de novo, gurias?

– Sim – respondíamos envergonhadas.

Eles gostavam mesmo era da plantação de aipim e de milho do vizinho do lado. O seu Baiano ficava furioso quando via os canteiros revirados e nós ficávamos com as pernas e roupas rasgadas ao pular a cerca com arame farpado para buscá-los.

Como não nos lembrarmos dos porres de vinho com açúcar e água que tomávamos durante os almoços de domingo com os guris da Célia.

Os dias que choviam eram os melhores pois alagava tudo então podíamos brincar nas poças.

Gostávamos da chuva, também porque ela fazia com que o pai viesse para casa.

Chovendo ele não poderia trabalhar.

Não podendo trabalhar vinha para casa.

Equação simples, mas gostávamos de pensar que ele vinha por termos subido em algum latão e chamado por ele.

Vindo para casa tínhamos um certo descanso do comportamento tempestuoso da minha mãe.

Nos dias quentes, íamos buscar gelo na casa da dona Luci, a mesma em que íamos para olhar televisão.

Andávamos no porta-malas do carro – inclusive era disputado pela garotada.

Havia os espertalhões que apareciam vendendo produtos excepcionais, que não passavam de engodo, o que era constatado após algum tempo, depois que já estavam distantes enganando outras pessoas.

Tinha um senhor que vinha vender frutas e verduras numa carroça pequena. Usava uma balança manual. Era sério. Quase nunca sorria. Não sabíamos o nome dele. Minha avó criou um apelido para ele, acho que era meio ofensivo, pois tinha medo que descobrisse a maneira que nos referíamos a ele.   

Era comum os pedintes serem bem acolhidos recebendo um prato de comida bem generoso e água.

Às vezes, apareciam os fotógrafos que se ofereciam para restaurar fotografias trazendo-as tempos depois em molduras ou produzir em casa um ensaio fotográfico com as crianças da família, tudo bem pitoresco.

As balas eram extremamente gostosas e perigosas, embora ninguém tivesse essa noção na época.

Se engolíssemos o cliché minha avó vinha correndo uma colher com azeite para tomarmos, se não teríamos as tripas grudadas.

Tínhamos cofrinho onde colocávamos moedas que depois eram depositadas na poupança da Caixa Econômica Federal. O cofrinho em questão era uma lata de cerveja recolhida na rua..

Minha irmã do meio tinha como hábito apanhar de meninas maiores que ela e se tornarem melhores amigas depois.

Como não lembrar da celebre frase: se não for do jeito que quero, não brinco mais.

Além dos temidos tiradores de sangue que povoavam minha imaginação de medo.

Éramos felizes e sabíamos.

11/03/2.019

À mestra com carinho

Por: Josaine Airoldi

Quando o encontrei não tive dúvida: ele era perfeito.

Recolhi-o e levei-o para casa.

No outro dia todos estavam em volta da professora a presenteando.

Não entreguei, fiquei com receio, de que me dissesse algo desagradável perante a turma.

Ela sempre foi cruel comigo, talvez também tenha sido com os demais colegas, não sei.

Estávamos na terceira série no ano de 1983. 

Ela certa vez criou o “Pelotão da higiene”. Eram cinco alunos preferidos que faziam parte desse grupo.

Nos minutos finais da aula eles entravam em ação. Eu – uma dos não preferidos – tinha que colocar as mãos sob a classe e esperar que olhassem se minhas unhas estavam limpas e cortadas, se os meus dentes estavam bem escovados, se os ouvidos estavam bem lavados e se o meu cabelo estava limpo e livre de piolhos. 

Esse era o pior momento.

Eu tinha piolhos que por mais que eu lutasse contra eles, eles venciam sempre; apesar disso nunca encontraram nenhum na minha cabeça. 

Nunca encontraram nenhum, embora tivesse bastante. Na verdade eles mal nos olhavam. Tinham nojo e não mexiam no meu cabelo, que era comprido, volumoso e louro.

Também era cruel quando não levava o material pedido para as atividades de Educação Artística. Eu era colocada num grupo. O grupo dos que não trouxeram o material solicitado. Neste grupo recopiávamos um texto, sempre enorme. Graças a esse método eficiente consegui decorar um dos textos que passou durante aquele ano: O cachorro e a sombra.

Também tinha o caderno da professora. Cada dia um aluno tinha que escrever naquele caderno e depois copiar o conteúdo para o seu próprio caderno. Quando minha vez chegou, eu me perdi totalmente. Copiei para ela; mas não consegui copiar para mim. O conteúdo? Ainda sei qual é: Zona rural e zona urbana. Conteúdo da prova tempos depois. Eu não sabia absolutamente nada do que se tratava.

A ironia ficou por conta do Leandro. Leandro era o aluno repetente e por isso se considerava capaz de colaborar com a aula da professora. Eu achava engraçado o fato dela se irritar profundamente com as intervenções que fazia durante a aula. Ele conseguia perturbá-la tanto que ela chegou ao extremo de nos transmitir uma informação equivocada para que Leandro a corrigisse. Mas isso não ocorreu. Ela mesma teve corrigir. Depois de explicação o indagou:

-Leandro por que não me corrigiu?

Ele calmíssimo diante da declaração bombástica dela respondeu:

– É muito simples professora esse conteúdo eu não tive ano passado.

Soube que o marido estava preso – ouvindo uma conversa da minha mãe com a minha avó e deduzi que devia para alguém quando pedia para que segurasse o seu material para despistar quando avistava um carro vindo ao longe. Era comum murmurar:

– Segura isso para mim, ele não pode perceber que estou trabalhando.

Embora sabendo de tudo isso, nunca consegui usar essas informações valiosas a meu favor. 

Um dia, compreendi o quanto foi bom não ter dado o presente à professora. 

Percebi isso num supermercado na seção dos condimentos. 

Eu iria dar uma embalagem de plástico de sal retirada da lixeira do edifício onde meus tios passavam as férias de verão, à querida professora no seu dia.

O chapéu que tanto me impressionou é na verdade a tampa. 

Devo dizer em minha defesa que embora tenha uma memória excelente tenho também déficit de atenção. 

Muitos anos depois conversei com ela pelo telefone. Ela queria fazer um pedido de frutas e verduras para que meu pai levasse até o estabelecimento comercial tal.

Reconheci na hora aquela voz, porém nada disse. Anotei tudo. Disse que iria repassar a encomenda naquele momento mesmo. Ouvi antes que desligasse o telefone um comentário dela, talvez para o marido ou coisa assim.

– Ela é tão quietinha!

Ela também sabia quem eu era.

23/10/2010

Eclipse

Por: Josaine Airoldi

Recriou no seu mundo particular e solitário o mundo exterior.

Com o passar do tempo a solidão começou a incomodá-lo.

Procurou-a de seu modo.

Aos pouco foi percebendo que a princesa escolhida queria desbravar a imensidão que é o mundo real e precisava de alguém como ele, por isso o aceitou.

Ela lhe deu o frescor da juventude.

Ele lhe deu a segurança do homem adulto.

Embora, poucas vezes um tenha participado do mundo do outro, ao modo deles, foram felizes.

Ora, se até o sol e a lua se encontram durante um eclipse,  é possível que aconteça o mesmo com quem prefere a fantasia a realiadade e com quem prefere a realidade a fantasia, às vezes.

09/11/2.010

Uma história puxa outra!

É como andar de bicicleta

“Que possamos lembrar somente dos bons momentos.”

Por: Josaine Airoldi

                                                                            

É como andar de bicicleta – alguns dizem quando querem se referir ao que nunca esquecemos, uma vez aprendido, mas esquecem-se como é difícil aprender.

Os adultos em volta diziam que era fácil: é só se  equilibrar e pedalar.

Eu não conseguia: ou me equilibrava ou pedalava. As duas coisas juntas não eram possíveis: o chão era o limite.

Ela, a bicicleta na qual eu tentava – sem muito sucesso andar – não tinha rodinhas. Eu também não tinha mais idade para uma daquelas. Era uma Caloi 10. Enorme para mim. Além disso, não era minha. Era da minha tia que sabia andar e costumava nos levar na garupa de vez em quando.

Eu aprendi a andar de bicicleta depois de… 

Ter levado muitos tombos…

Ter ralado os joelhos…

Ter machucado os cotovelos…

Entre outras coisas que acontecem com quem quer aprender a andar de bicicleta…

Quando tivemos a nossa bicicleta. Era para eu andar primeiro – disseram.

Minha irmã não me deixou ter esse prazer, mesmo com os pneus murchos ela deu a primeira pedalada. Caiu logo em seguida, mas foi quem andou primeiro.

Era vermelha. Não tinha muitos detalhes, mas era indicada para meninas por ser mais leve e fácil de andar.  

Chamávamos de Moto Laser era o nome de um seriado que passava na televisão aos domingos.

Muito nos divertimos com ela: eu e minha irmã.

Ela, a Moto Laser e todas aventuras que nos proporcionou são algumas coisas que gosto de lembrar para não esquecer…

15/03/2.020

Embruxada

Por: Josaine Airoldi

Minha irmã caçula herdou do meu pai os olhos azuis que tanto a minha mãe desejou durante a gravidez e também as crises de asma do meu avô.

Foi benzida por todas as curandeiras da cidade, inclusive minha avó que tinha o costume de “coser” os males de quem precisasse e pedisse.

Eram ensinadas inúmeras simpatias para curá-la.

Todas eram feitas a risca.

Nenhuma, até hoje, surtiu efeito.

Então, alguém sugeriu que a menina estava embruxada, por isso continuava tendo crises e não se curava.

– Como assim, embruxada? Havia uma bruxa entre nós? – Eu me questionava.

A conversa dos adultos continuava indiferente a minha expressão de medo e espanto, ouvindo tudo aquilo.

– Isso mesmo.

A bruxa é a primeira pessoa que vier aqui amanhã. – Explicou aquela que parecia entender bastante do assunto.

Era preciso que essa pessoa deixasse de ter contato com a criança para as crises acabassem.

Quase não dormi naquela noite.

Precisava conferir quem era a bruxa.

Será que seria igual as que apareciam em livros e filmes que passavam na televisão?

Qual não foi a surpresa de todos quando a tia Wilma chegou.

Não conseguia olhar para ela.

Era muito engraçada, sempre nos fazia rir muito de qualquer coisa, além disso, nunca havíamos falar em bruxa loira.

Eu tinha certeza que a bruxa – aquela que estava causando todo o mal – era uma senhora muito feia e se assemelhava a uma criatura das trevas – que era muito amiga da família e frequentemente estava lá em casa, então porque não apareceu nesse dia?

Não me recordo com foi recebida por nós, mas todos que a conheceram guardam com carinho boas lembranças suas.

Não sei se a tia Wilma ficou sabendo que era uma bruxa, mas se soube, certamente, deu muitas gargalhadas.

16/05/2.020

Uma história puxa outra!

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https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2021/01/24/o-ultimo-adeus/

O sorriso da Gracinha

Por: Josaine Airoldi

Ela sempre foi muito bonita e tem um sorriso encantador.

Em todas as aulas esperávamos a mesma cena: ela ir apontar o lápis e próximo à lixeira ficar rindo baixinho.

Do que ria?

Não me lembro.

Acho que não tinha motivo.

Talvez, o que gostava era a “quebra” na rotina da aula.

Estávamos em processo de redemocratização no Brasil.

Naquele tempo, quem não usava o uniforme era impedido de assistir à aula e tinha que voltar para casa imediatamente.

Havia também a aplicação de castigos como: cheirar parede ou permanecer com os joelhos em uma tábua com tampinhas viradas para cima, além dos puxões de orelha…

Em setembro, enfileirados e uniformizados com chuva ou sol marchamos e exaltamos a pátria mãe gentil.

Em casa, à noite ouvíamos o pronunciamento do Excelentíssimo Presidente da República General João Figueiredo, que interrompia a programação normal dos canais de televisão, sempre que bem entendia.

Lembro-me também do Hino Nacional Brasileiro sendo cantado pela Fafá de Belém em meio a uma multidão pedindo: Diretas já!

Acompanhamos pelo Jornal do Almoço as conturbadas brigas do ex-casal: Teixeirinha e Mary Terezinha.

Ao se apaixonar por outro, ela deixou o Rio Grande do Sul dividido.

Mais tarde, ele deixou a todos nós de luto.

Havia, aqui, as peripécias do então prefeito: Sessim – aquele que é até hoje – é idolatrado ou odiado pelos que o conhecem.

Foram tempos confusos para quem não entendia muito bem o que estava acontecendo.

Na minha concepção eu só precisava ser comportada, que nada de ruim aconteceria.

Assim era na escola e assim era em casa.

Acho que por isso o sorriso da Rosângela, a Gracinha, me remetia a ideia que eu poderia também  subverter a ordem, pelo menos por alguns instantes.

29/04/2.020

Uma história puxa outra!

https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2021/01/23/se-eu-tivesse-uma-mochila

Gadeias

Por: Josaine Airoldi

Ela me causou vários problemas.

Assim começou o seu relato.

Era um dos motivos preferidos da mãe para brigar comigo.

Quando estava tudo bem lá em casa ela resolvia cuidar do meu cabelo.

A pergunta e a explicação eu já conhecia de cor:

– Cadê a tua escova?

– Quero pentear essas tuas “gadeias”.

Geralmente eu não sabia, até porque eu a odiava.

As “gadeias” em questão era o meu cabelo loiro, comprido e embaraçado.

Em virtude disso eu tinha até uma característica particular: eu era “gadelhuda.”

Ela não tinha paciência nem comigo nem com ele.

Escova-o com raiva puxando-o com força e quando estava de mau-humor amarrava-o com mais força ainda.

Ainda sinto o cabo de madeira que era batido com toda a força na minha cabeça quando não conseguia desembaraçá-lo.

Numa das eternas busca pela escova perdida encontrei-a entre os resíduos de lixo que haviam sido queimados no pátio.

Ela estava parcialmente queimada, principalmente nas cerdas.

Tudo ficava pior quando encontrava piolhos no meu cabelo, o que não era nada difícil.

Eu me sentia como um criadouro deles.

Ficamos em silêncio, por um longo tempo, ouvindo o barulho da chuva que caia incessantemente e indiferente a nós e a nossas memórias.

Certa vez…

-Leva e pede para a professora pentear o teu cabelo.

No momento que foram chamados os alunos cujos pais queriam a foto do filho tirada por um estranho que cobrava para isso; fui até a professora com ela na mão. Não pedi. Não tive coragem.

Preferi permanecer com os cabelos rigorosamente amarrados num rabo de cavalo: assim eu apareço na “Lembrança Escolar”.

Acho que no fundo eu tinha convicção que arrumar o meu cabelo era obrigação da minha mãe e que era um absurdo eu ter que pedir isso para a professora, além, claro do medo terrível que eu tinha de desagradar qualquer uma das duas.

Como era inevitável, desagradei a mim.

Tirei a foto como minha mãe queria e não perturbei a professora.

A minha irmã que nunca teve uma escova exclusiva como eu e nunca teve cabelos embaraçados, os cabelos dela eram lisos ao extremo, os quais gostava de cortá-los escondida atrás do fogão a gás se tornou cabeleireira e tem escovas de todos os formatos e utilidades.

Sabe como ninguém manuseá-las entre um corte e um penteado.

Eu continuo desgrenhada… – Diz rindo e encerrando assim nossa conversa.

23/11/2.010

Os tiradores de sangue

“Naquele tempo nossos medos eram outros.”

Por: Josaine Airoldi

Esqueça o homem do saco, o bicho papão, a mula sem cabeça e todas as formas de amedrontar às crianças, nenhum deles me provocava medo.

Eu receava ser atacada pelos tiradores de sangue.

Não se trata de vampiros, embora eles também não existam.

Não sei de quem eu tinha mais medo se da minha mãe ou se deles.

Na volta da escola era sempre a mesma coisa.

Se eu a seguisse, desobedeceria minha mãe.

Se eu não a seguisse ela os acionava.

Bravamente e solitariamente eu seguia pelo caminho indicado pela minha mãe enquanto ela chamava: Os tiradores de sangue.

Embora eles nunca tivessem aparecido, eu os temia.

Ela era assim sempre tinha uma brincadeira, uma história ou uma solução para tudo.

Uma das nossas brincadeiras consistia em brincávamos de “casinha” numa casa de verdade.

 A filha dela era sempre a minha irmã.

Era em quem dava banho, colocava bastante talco e após vesti-la com a sua melhor roupa, saíamos para passear.

Ela sempre com algum sapato ou sandália de salto alto da minha tia.

 Às vezes, eu era a professora; ela a mãe preocupada.

Certa vez quando veio buscar o boletim da filha eu seriamente usei uma expressão corriqueira o cotidiano escolar:

  – Sua filha passou raspando.

Começaram a rir sem parar.

Primeiro ela depois a filha que nunca tinha frequentado a escola e não fazia a menor ideia o que significava o que eu havia falado. Isso foi o que me dava mais raiva: o poder que tinha para influenciar as pessoas.

 Fiquei profundamente chateada, ora não era para brincar com a brincadeira.

Quando era na sua casa as brincadeiras eram outras.

Fazíamos orelhas de macaco – era para serem bolinhos fritos.

Atrapalhávamos o namoro da minha tia com um dos irmãos dela.

Como não tínhamos luz elétrica eles gostavam de namorarem no escuro ou tentarem pelo menos.

 Queimar papel higiênico sujo, certa vez quase incendiei a “patente” não havia banheiro.

 Quando brincávamos trocávamos de nome.

Tínhamos nossa amiga e vizinha imaginária: a Lita.

 Também, brigávamos muito, principalmente quando ela queria fazer aquilo que eu não podia fazer.

Eu sabia que na hora de ser responsabilizada era eu quem tinha que arcar com as consequências porque ela estaria longe.

Como éramos três, é claro que eu sobrava.

Às vezes o meu primo me defendia e batia nela com uma toalha de um modo que somente ele conseguia.

Nunca brigamos fisicamente, mas eu gostava quando ele se vingava dela por mim embora eu achasse exagerada atitude dele em relação ao que havia acontecido; porém era bom me sentir protegida.

Talvez seja por isso que ela usou seu olhar malicioso para insinuar que eu tinha feito algo com ele que não fiz.

Se eu soubesse que isso somente aconteceria dez anos depois e com outra pessoa não teria ficado tão magoada e não teria ficado quase um ano sem conseguir olhar para ela.

 Só voltei a conversar com ela depois depois.

 Com certeza, ela foi minha melhor e pior amiga de infância que eu tive.

                                                                                              27/ 11/ 2.010

Bodas de plástico

Por: Josaine Airoldi

Busco na memória lembranças nossas.

Hoje sei que deveria ter sido melhor contigo te deixando ir embora logo em seguida.

Fui egoísta te deixei entrar, um pouquinho, mas deixei.

Nunca te amei, perdão.

Nunca te respeitei, desculpas embora tarde sei que podes me compreender.

Nunca te quis realmente, não posso negar este fato.

Sei que estás bem.

Estás longe de mim e de minhas amarras egoístas.

Fiquei com algumas boas lembranças, é verdade: os CD da Legião Urbana com os quais sempre me presenteava em datas especiais.

Nossas tardes de domingo com sorvete e Martini.

E o amanhecer na praia…  

Nossos planos mais profundos foram aqueles que fizemos um ao outro numa noite qualquer enquanto estávamos num bar.

Nessa noite entre uma caipirinha e outra construímos um anel para comemorarmos nossas Bodas de Plástico.

Guardei o nosso símbolo até aquele domingo de sol forte em que finalmente te disse adeus para sempre.

Lamento, somente, que naquela tarde era teu aniversário.

07/08/2.010

Uma história puxa outra!

Aquele olhar

Doroteia

Por: Josaine Airoldi

Ela apareceu certo dia.

Chegou sem ser convidada.

Foi logo bem acolhida pela minha avó, que recebia bem a todos: os transeuntes que pediam abrigo, os que vendiam bugigangas, os que se ofereciam para ajudar no que fosse necessário em troca de algum prato de comida ou de alguns trocados…

Era alta, delgada, tinha o couro amarelado e o focinho fino, não sei de que raça, mas era bem diferente dos outros dois que tínhamos: o Macaco e o Leão.

Além deles tínhamos o Betinho, que como ela apareceu certa noite e foi ficando, se tornando o gato da família.

Doroteia – esse é o nome que demos a ela – tinha uma particularidade canina excepcional: somente atacava mulheres, com os homens era cordial e amistosa.

Doroteia era exímia em trazer panelas dos vizinhos para casa e também as levava. Tínhamos panelas sem tampas e tampas sem panelas.

Sentimos muito a falta dela quando percebemos que não voltaria mais.

Doroteia não era de se apegar.

20/11/2.010

A banda

“Naquele tempo ser baliza era o máximo…”

Por: Josaine Airoldi

Reunião.

Blá! Blá! Blá! Blá! Bla!…

Intervalo, enfim!

Banda da escola. Expectativa total. Estão no começo. Bem no começo. Nós seremos a sua primeira plateia.

Todos têm uma história para contar sobre banda escolar.

Olho em volta somos da mesma geração.

Entram ordenadamente.

Direita volver.

Esquerda volver.

Nada mudou.

A mente viaja. Escola Tomaz. Início da década de 80. Época em que era obrigatória a perfeição nos desfiles cívicos. Desfilávamos marchando. Esquerdo. Direito. Esquerdo. Direito… Olhar rente a cabeça do colega da frente. Uniforme impecável. Impecável também tinha que ser a nossa apresentação. Ensaiávamos quase todas as tardes durante o mês de agosto.

Sempre fui alta. Ficava por isso no final da coluna. Além disso, era desengonçada.

O fato é que mesmo de lá eu a via. Linda. Magnífica. Bailava e encantava a frente dos batalhões enquanto ouvia-se o som da banda municipal.

Eu sabia que nunca ocuparia aquele posto, mas desejava.

Naqueles tempos idos, não era proibido sonhar.

21/ 07/ 2.010

Se eu morresse agora…

Por: Josaine Airoldi

Começou no sábado pela manhã.

Não fui trabalhar.

O domingo foi mais tranquilo.

Na segunda-feira pela manhã fui trabalhar.

Era importante terminar as atividades pendentes, porém à tarde não foi possível comparecer ao trabalho.

Comecei a piorar cada vez mais.

O xarope não fez efeito.

Tive que compreender que estava doente e precisava de opinião médica.

Esperei pacientemente durante a terça-feira o Márcio voltar de Esteio, para que me levasse ao hospital.

Depois de muito esperar, sou atendida.

Embora não confiasse na opinião da doutora era a única que tinha; por isso tinha que acreditar no tratamento que me prescreveu.

Naquele momento tudo o que eu desejava era a perspectiva que iria melhorar.

O corpo todo doía.

Não parava de tossir.

Às vezes, segurava a respiração para não sentir dor.

O tratamento não faz efeito.

Volto ao hospital.

Tenho direito a reconsulta.

Outro médico. Que bom! – penso.

Eu tinha certeza que o diagnóstico estava errado e que se estivesse certo o tratamento estaria melhor.

Nova decepção: o médico me trata de maneira indiferente e mantêm o tratamento, acrescenta um remédio para dor no estômago, que embora eu ache que não é preciso: compro.

Com muita má vontade o médico me dá um atestado de dispensa do trabalho por um dia.

Volto para casa.

Quase sem respirar.

Respirar dói muito.

Continuo muito mal.

Não tenho condições de trabalhar.

Preciso de outro atestado e de um médico que não me diga que estou com gripe e que posso trabalhar.

Eu tenho noção que estou com algo mais grave e que por isso não tenho condições de ficar exposta ao estresse e ao mau tempo.

Enfim, estou segura, apesar de toda a dor e mal estar: neste médico eu confio.

Espero bastante para ser atendida.

Olho para as minhas mãos percebo o quanto as minhas unhas estão mal cuidadas.

Nesse instante percebo o quanto seria ruim se eu morresse agora com as unhas quebradas desse jeito.

Morrer é inevitável, contudo manter as unhas bem cuidadas é possível.

04/09/2.010

Popularidade abaixo de zero

Por: Josaine Airoldi

Levanta a mão a menina que quis ser popular na escola!

Sempre quis ser popular.

Acho que toda menina deseja isso.

Foi o que sempre pensei.

Poderia ser qualquer coisa:

Ter algo para contar.

Ou para quem contar.

Ser a mais inteligente.

Qualquer coisa servia…

Ah! Mas tinha coleguinhas que eram bastante populares.

Ela era muito bonita e…

Havia o pedágio que ela cobrava das demais meninas da Escola para que pudessem usar o banheiro.

Qualquer coisa servia.

Quem não tinha como “pagar” passava por debaixo de suas pernas abertas.

Certa vez fui convidada para ir a sua casa após a aula. Nunca cheguei. Embora fosse perto, mas não foi porque era na direção contrária ao meu trajeto.

Estávamos indo, eu extremamente feliz por conseguir esse convite.

Quando…

Um carro para de repente. Um homem sai correndo. Junta desesperado um menino do chão coloca-o no carro. Sai em disparada. Então vemos outro menino completamente abalado, sem entender direito o que havia acontecido. Ficou assim o resto o ano ou da vida, não sei.

Às vezes, vejo essas imagens e me pergunto e se fosse em outro dia…

Na época e bem depois só tive uma amiga de infância.

Ela era muito popular.

Todos gostavam dela.

Exceto a sua família. Era adotada e parecia que tinha que pagar eternamente por ter sido acolhida, mas na minha família ela sempre tinha vez.

Certa vez encontrou um, penico.

Isso mesmo um penico no meio do lixo perto da escola onde estudávamos.

Não teve duvida. Lavou-o. Deixou secar e saiu com ele na cabeça. Todos riam de sua atitude.

Eu?

Estava com ela.

Minha quase xará…

Nunca me esqueci dela.Fez xixi na sala de aula.

Recordo dela em pé.

Apontando para o chão.

Virou assunto na escola.

Todos condenaram a professora Beatriz.

Afinal, ela tinha pedido para ira ao banheiro.

Por muito tempo foi assunto preferido da escola.

Ela era alta, rechonchuda e…

… A preferida dos que não levavam lanche.

Ela levava: quase meio quilo de pão caseiro:

– Minha mãe é quem faz! – dizia sempre, orgulhosa.

O pão em questão era recheado com salame e queijo, talvez margarina ou outra coisa qualquer.

O lanche era devorado com os olhos por muitos.

Repartia? Claro! Com os “irmãos.”

Não como os de verdade. Era filha única. Os irmãos eram dois colegas que a convenceram brincar que eram irmãos na hora do lanche e somente nesse momento. Então ela sorria um sorriso gordo.

Eu olhava aquilo não acreditando, como poderia ser tão burra de acreditar num história dessas. Parecia que o pão não tinha fim.

Eu os observava. Ela se comprazia em barganhar com eles. Não era o lanche que eu queria.

Ela…

…Tinha uma história triste da qual só recordo que morava com a madrinha numa casa muito bonita, perto da escola.

A madrinha lhe proporcionava tudo que uma garota naquela idade e naquela cidade poderia desejar.

Tinha todos os produtos que apareciam: “Os Menudos”.

Lembro-me também que sempre dizia:

– Máquina lava! – enquanto jogava futebol, descalças, usando nos pés apenas meias alvíssimas.

Eu nesse momento só pensava: será que ficarão novamente branquinhas essas meias…

Acho que isso não importava a ela.

Apenas, por alguns momentos e por razões completamente inusitadas, inesperadas ou não propositais fui o “centro” das atenções dos meus “coleguinhas” de escola.

Certa vez, o bilhete…

Era para a professora – raríssimos, mas esse existiu.

Velório em Porto Alegre.

Tenho que sair mais cedo.

Eu não iria ao velório.

Eu tinha que estar em casa para ajudar no quê, eu não recordo.

Também nunca compreendi o porquê do bilhete ter sido lido em voz alta. Enfim…

As meninas, todas, sentadas em volta de mim – eu recordo muito bem.

Queriam saber detalhes a respeito do velório de um primo que nunca conheci.

Tinha pouquíssima informação. Tinha que estar em casa mais cedo. Não tinha com responder a tantas perguntas. Lamentei por muito tempo.

Fui embora mais cedo desejando que aquele momento durasse para sempre.

Certa vez fui para a escola: vestida para arrasar…

A roupa era da minha tia, que resolveu brincar de boneca comigo.

Cheguei à escola.

As meninas ficam curiosas querendo saber onde tinha comprado.

Ainda atordoada e surpresa com tantas perguntas respondia meio débil a todas:

– Não é minha, é da minha tia.

Foi um momento estranho e mágico ao mesmo tempo.

Devolvi a ela agradecida por ter me proporcionado aquele momento em que todos os olhares se voltaram para mim ou para a roupa que estava vestindo, para mim não importava muito: fiquei popular na escola.

Ela, tempos depois deu a saia azul com bolsos e a blusa branca com detalhes coloridos para a minha irmã.

Sempre quis saber: por que não para mim?

30/ 06/ 2.010

Uma história puxa outra!

https://lembrarparanaoesquecerinfo.data.blog/2020/09/13/candidata-a-amiga/

Unhas de bruxa

Por: Josaine Airoldi

“Criança não trabalha, criança dá trabalho” – Arnaldo Antunes

Desde criança cuidava de outras crianças para ajudar em casa.

Éramos pobres, mas ela era mais que eu; por isso acho que sempre teve condições de se sobressair melhor na selva que é a escola, pois lutava a cada dia para sobreviver às adversidades de uma infância desprovida de infância.

– Só loucos para andar de bicicleta nessa chuva. – Comentei certa ver ao ver um senhor passar de bicicleta. – Não são só loucos que fazem isso, quem precisa também. – Comentou secamente.

Então percebi que aquele que tinha passado por nós era o pai dela. 

Fiz o comentário mais para ter o que falar do que qualquer outra coisa. Ela tinha esse poder sobre mim. Sempre conseguia fazer com que me sentisse uma perfeita idiota.Estudamos vários anos juntas nas mesmas turmas. A escola era muito pequena e não havia opção de escolha e não tínhamos noção que teríamos algum direito se tivéssemos opções.

Na quinta série formávamos um quarteto: Eu, ela, Margarete e Maria Aparecida. Era a primeira vez que eu me sentia como parte de um grupo. 

Certa vez estávamos jogando vôlei no pátio da escola. De repente o menino mais bonito da escola incluiu “mor” a letra a – a última letra do seu nome dela, criando a palavra: Claudiamor e não contente ficou repetindo, para que ela não tivesse dúvidas do que queria dizer. Fiquei com muita inveja, pois não bastava jogar bem, tinha que atrair a atenção daquele que tinha os olhos mais lindos do mundo e o nome de Ângelo.

Conversávamos muito sobre quase tudo e principalmente a respeito do nosso futuro escolar. Antes que o ano terminasse Maria Aparecida foi embora para outra cidade. Não foi naquele ano que implantaram a sexta série. Margarete se “casou” e não nos seguiu. Nunca mais soube nada a respeito delas.

Nós seguimos. Estudamos muito Matemática na parada de ônibus quando ficamos em recuperação na sexta série.

Desistimos da sétima série após longa greve dos professores, embora não combinado eu não voltei e ela também não.

Foi bom; pois ao retornarmos no ano seguinte encontramos a Angelita com a qual conversamos e rimos muito quando íamos a pé para casa, para economizarmos o dinheiro da passagem e para ficarmos mais tempo juntas.

A oitava série estava passando e eu sempre com a ideia fixa que ela seria uma excelente jogadora de vôlei como a Ana Moser – quem foi criança nos anos 80 e gostava de esportes saberá imediatamente de quem se trata. Por mais que tentasse não conseguia jogar como ela. Ela era a melhor desde sempre.

Quando começou a namorar seguiu os preceitos do lugar que as gurias de Tramandaí aos 15 anos namoravam cobradores de ônibus, aos 18 namoravam garotos que estavam servindo no exército e dali por diante valia o que viesse.

Primeiro foi Edson e depois foi o Claudio, ambos, cobradores da empresa de transporte Dindinho.

Por coincidência nos encontramos no mesmo emprego. Estava de férias da escola, estava no Segundo Grau – cursava Magistério e precisa trabalhar no verão. Passava em frente de uma padaria quando li o cartaz: “Precisa-se de balconista,” como eu tinha certa experiência de empregos anteriores; achei que poderia dar conta deste.

A proprietária era uma ex-professora de Português nossa da época em que estudávamos juntas.

O emprego era horrível; mas a companhia e a destreza dela nas realizações das atividades pertinentes a nossas funções tornaram-no menos deplorável.

O verão acabou. Voltei a estudar. Perdi o contato com ela.

Ao passar pela padaria em que eu tinha trabalho a encontrei. O mesmo olhar de fibra. Rapidamente conversamos. Fiquei sabendo que havia casado e descasado. Tinha uma filha se a minha memória não me trai.

O que eu não esqueço é de suas enormes unhas. Unhas de bruxas – eu dizia – quando brigávamos.

Unhas de uma menina que teve que crescer antes da hora, é assim que me lembro dela: com carinho e com afeto.

14/10/2.010

Aos domingos

Por: Josaine Airoldi

Visita era sinal de refrigerante na minha casa.

– Vão buscar. – Ouvíamos sempre.

Íamos, todos correndo com as garrafas balançando dentro das sacolas.

Voltávamos o mais rápido possível. O refrigerante – “esquentava”.

Não tínhamos geladeira e por uma razão simples, talvez, não tínhamos luz elétrica.

De repente, a garrafa cai.

Espatifa-se no chão.

Não consigo evitar.

Fiquei por alguns segundos olhando o líquido se esvaindo no asfalto, imaginando o que iria me acontecer quando chegasse sem a encomenda completa.

Invento então: A garrafa explodiu na minha mão.

Fiquei com a cabeça baixa esperando que alguém viesse em meu socorro e concluísse o meu pensamento…

Milagrosamente alguém veio.

Estou salva, pelo menos dessa vez.

– Hoje em dia isso acontece muito: as garrafas explodem.

Sinto a garrafa se esvaindo entre os meus dedos.

Vejo os cacos no meio do caminho.

Domingo almoço na minha casa.

Essas garrafas…

                                          30/06/2.010